sábado, 5 de fevereiro de 2011

"A Teologia me fez mal"


Já ouvi muitas vezes, em círculos cristãos, alguém insinuar ou dizer mesmo com todas as letras que "teologia
faz mal ou a teologia me fez mal..." Mas, de qual teologia estamos falando? Se for da teologia que declara a inerrância e suficiência da Bíblia e o amor por sua verdade; enfatiza a realidade da queda humana e a soberania de Deus na Salvação; a importância da obra da Cruz de Cristo, e é trinitariana e teocêntrica, então não é apenas de um compêndio na prateleira de uma biblioteca, ou de um curso de faculdade, que estamos falando, mas da teologia que "refere-se ao estudo, ao conhecimento, à comunicação e ao ensino de Deus, e à aprendizagem sobre Deus." (John Frame) E se "fazer mal" é derrotar o antropocentrismo, então graças a Deus, a teologia faz mal mesmo. Fez mal a mim, e por esse parâmetro faz e fará mal a muita gente.
Não somos o centro do universo e por isso a teologia nos causa dor e desconforto. A teologia, entre outras coisas, trata da questão da nossa relação com o Criador, e não há substitutos para ela (Tozer). Nosso menosprezo pela teologia, só reforça a idéia de que continuamos nos escondendo de Deus, constrangidos por nossa condição pós-queda (Gn. 3.8). E, nos escondemos muitas vezes, em nome de uma suposta espiritualidade (sem conhecimento); na presunção de uma eleição (sem frutos); escondemo-nos numa adoração (sem devoção), e ainda, numa floresta de pecados tentando fingir que Deus não está presente.

Na verdade, a idéia de que teologia faz mal, está fortemente enraizada, no mesmo conceito distorcido de que “a letra mata”. É o mesmo antiintelectualismo de sempre, que ganhou força, segundo Nancy Pearcey (Verdade Absoluta, CPAD, Rio de Janeiro, 2006), na origem do evangelicalismo do século XIX. O pragmatismo que estava no nascedouro do movimento evangelical levou a uma abordagem hostil em relação à teologia que persiste em nossos dias, como descreve Mcgrath:

A natureza fortemente pragmática do movimento (evangelical), levou a uma ênfase no crescimento da igreja, pregação de sentir-se bem e estilos de ministério informados em grande parte pela psicologia secular. O papel da teologia clássica sofreu erosão séria, com seminários evangélicos deixando de dar-lhe o lugar de honra que antes lhe fora universalmente atribuído. A teologia não é mais vista como integral para manter e nutrir a identidade cristã no munddo, nem como recurso seminal em forjar novas abordagens para o ministério. (McGRATH, Alister. Paixão Pela Verdade. Shedd Publicações, São Paulo, 2007)
É importante salientar que a teologia nutre a genuína identidade cristã em nós. Portanto, se faz mal, o faz às práticas que distorcem o ensino cristão, como podemos ver nos exemplos que seguem:
Faz mal ao homem caído, que recusa aceitar a triste realidade do seu estado. Prefere pensar que tem algo de bom, ou que tem capacidade de escolher o bem por conta própria. A este com certeza a teologia fará mal, pois vai lhe dizer, sem clichê ou brandura, és "um desgraçado, pobre cego e nu” (Ap.3.17); vai mostrar a profundidade da queda em todas as áreas do seu miserável ser, e deixar-lhe ciente da sua total incapacidade de se reerguer.

Faz mal ao orgulhoso, que tem fortes dores de cabeça ao pensar que a salvação não depende dele, afinal, em seu conceito a graça de Deus "precisa" da sua boa vontade e do seu esforço também. A este a teologia vai dizer que "tudo provem de Deus que nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo" (2Co.5.18), não deixando qualquer espaço para vangloriar-se na presença de Deus.
Faz mal ao soberbo o suficiente para imaginar que escolheu a Deus, e foi soberano nesta escolha, satisfazendo um deus que busca desesperadamente a aceitação dos homens. A este a teologia vai dizer sem rodeios que foi o Senhor que "nos escolheu antes da fundação do mundo" (Ef.1.4; Jo.15.16)
Faz mal ao arrogante. Há uma tendência atual, de colocar o homem como centro e medida de todas as coisas. Há um culto à auto-estima sendo prestado em lugar de culto ao Deus verdadeiro. Temos líderes enaltecendo a arrogância e difamando a humildade. Já presenciei reuniões em que o culto é interrompido e todos ficam de pé para a entrada triunfal do líder e sua comitiva, até mesmo no momento em que a Palavra esta sendo pregada. E ninguém questiona essa aberração! Não tem como a boa e salutar teologia não fazer mal num ambiente como esse. A glória que só pertence a Deus está sendo usurpada!

Ninguém pode estudar a Bíblia sem dizer que está estudando teologia, ninguém pode estudar teologia sem estudar a Bíblia. Claro que más atitudes podem persistir - e persistem - na vida de qualquer estudante de teologia, tenha ele motivos nobres ou não. Mas isso acontece por causa da queda e não da teologia. Parafraseando Michael Horton (Creio, Cultura Cristã, São Paulo, 2005), dizer que teologia faz mal é o mesmo que dizer que estudar a Biblia faz mal, ou conhecer a Deus é ruim.
O segredo da vida é teológico e a chave para o céu também. Aprendemos com dificuldade, esquecemos facilmente e sofremos muitas distrações. Devemos, portanto, decidir com firmeza estudar teologia. Devemos pregá-la do púlpito, cantá-la em nossos hinos, ensiná-la aos filhos e fazer dela tema de conversa quando nos reunimos com os amigos cristãos (TOZER, A.W., O melhor de A.W.Tozer, Ed Mundo Cristão, São Paulo, 1994)
Àquele que nos escolheu antes da fundação do mundo e nos guia pelo caminho da verdade, em quem está toda sabedoria e todo conhecimento, seja a glória pelo século dos séculos.

5 comentários:

  1. Francisco Jr.

    Seu texto é simplesmente revelador! Ah, se nossas igrejas tivesse um interesse enorme pela teologia!!

    Mas acho mesmo que a deficiência de muitas igrejas em não serem "igrejas com teologia", é que seus pastores não são "pastores-teólogos".

    A igreja sem teologia acha que está tudo bem, mas na verdade ela está desenvolvendo um câncer que ainda não se manifestou mas se manifestará no futuro.

    Se me permite, posso republicar seu artigo no site Eleitos de Deus?

    Abração brother!!

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  2. Caro Heitor,

    infelizmente essa é a triste realidade de muitas igrejas...como voce bem destacou, há escassez de "pastores-teólogos", ou como Paulo disse "pastores/mestres" (Ef.4).
    Quanto a republicar o texto, claro que pode... será uma grande honra!
    Abraço

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  3. Parabéns pelo excelente artigo em seu blog! Acredito que o momento em que vivemos produz um novo tipo de crente, um crente que não somente perde a sua identidade, como também perde a noção do que significa ser a identidade. O na moda, o "legal", é ser evangélico conforme a música, e se os sons produzidos pela atual conjuntura, alimenta-se da ignorância teológica, do pluralismo da verdade e de uma igreja de identidade fluída, basta então dançar, ou seja, basta a igreja pragmaticamente viver os "10 passos" para viver como evangélico no mundo, fazendo barulho, chamando a atenção, mas não ocasionando nenhuma diferença, nenhuma transformação, nenhuma cooperação para o Reino de Deus!

    Um abraço,pastor José Francisco jr.

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  4. A Graça e a paz a o meu irmão!
    Primeiramente me desculpe por minha ignorãncia.
    Segundo parabens pelo post assim como todo o seu blog.Humildemente corrigi um erro que não pensei que seria tão grave.

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  5. Deus abençoe a todos os amantes da teologia, amar a teologia e amar o próprio Deus através das Escrituras Sagradas.

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