sexta-feira, 3 de abril de 2015

“Não se turbe o vosso coração”


Não se turbe o vosso coração; credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fora, eu vo-lo teria dito. Pois vou preparar-vos lugar. E, quando eu for e vos preparar lugar, voltarei e vos receberei para mim mesmo, para que, onde eu estou, estejais vós também. E vós sabeis o caminho para onde eu vou. Disse-lhe Tomé: Senhor, não sabemos para onde vais; como saber o caminho? Respondeu-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim. João 14.1-6 


 O que fazer quando estamos à beira de um precipício, e quando as situações vão se tornando difíceis à nossa frente e não conseguimos enxergar saída? O que fazer quando as noticias não são animadoras, e quando tudo parece estar fora de controle? 
Esse texto do Evangelho de João nos apresenta uma única resposta à todos esses dilemas. 
O contexto é o Sermão do Cenáculo (João 13-17), ou Sermão de despedida. Em muito pouco tempo Jesus de Nazaré se ausentaria deles. Dalí há apenas algumas horas aquele que chamou a cada um dos discípulos, andou com eles por 3 anos, apresentou-lhes o reino, os ensinou, falou-lhes de promessas grandiosas, fez milagres, encheu os seus corações de esperança, disse tudo quanto haveria de acontecer e os mandou proclamar suas palavras, seria visto por eles preso, chicoteado, espancado, humilhado, escarnecido, como um malfeitor. E por fim ainda o veriam pregado numa cruz se esvaindo em sangue e sem esboçar qualquer reação. Embora Jesus houvesse alertado da necessidade de tudo isso acontecer, esse cenário seria na mente dos discípulos um ”desastre catastrófico”. 
Então era necessário que eles ouvissem agora “Não se turbe o vosso coração”. Não fiquem agitados, não se deixem ser abalados, não se desesperem, não desanimem. O “não se turbe” dá conta de que os acontecimentos a seguir seriam realmente perturbadores. Mas de que forma eles deveriam acalmar os corações? 

De que forma deveriam acalmar os corações? 

 “...Credes em Deus, e crede também em mim.”(Jo.14.1). Os verbos “credes” e “crede” aqui podem estar tanto no indicativo quanto no imperativo. Assim algumas possíveis traduções¹ sugerem “creiam em Deus, creiam também em mim”, com ambos no imperativo; ou “se vocês Creem em Deus, creiam também em mim, com indicativo no primeiro e imperativo no segundo. Mas o que mais se harmoniza com o contexto é um indicativo/imperativo que dá idéia de ato contínuo, ou seja, continuem crendo em Deus e continuem crendo também em mim. Diante de um tempo de tão profunda angústia ele aponta para o remédio, para que não se sentissem vencidos e esmagados². Essa é a resposta pura e simples do Evangelho para as aflições que enfrentamos no mundo (Jo.16.33) Continuar crendo!

 A cristologia do texto também deve ser observada como destacou Carson (p.488):
Embora a última opinião seja a melhor, todas as três assumem uma cristologia formidavelmente elevada, pois relacionam Jesus com o Pai como um objeto apropriado de fé. Para leitores sérios deste evangelho, porém, o elo é quase inevitável. Se Jesus invariavelmente fala as palavras de Deus e realiza os atos de Deus (5.19ss.), não se deveria crer que ele é Deus? Se ele diz a seus seguidores para que não se turbe o coração, não será por que ele tem ampla e justificada razão?

 Porque deveriam continuar crendo? 

 1. Deveriam continuar crendo porque receberam promessa de lugar permanente

 “Na casa de meu Pai há muitas moradas” (Jo.14.2) A palavra traduzida por “morada” nesse texto (monai, grego) só aparece aqui e em 14.23. Se aqui ela trás a idéia da nossa habitação permanente com o Senhor, que evocam ressurreição, redenção e glorificação, no verso 23 ela fala da habitação permanente de Deus conosco o que traria uma consolação mais imediata em face da tragédia que se avizinhava. Isso apontava para a promessa do “outro consolador”, de que Jesus falaria extensamente ainda no Sermão do Cenáculo. Assim temos a promessa de habitar para sempre com ele no porvir, mas também a promessa de que jamais estaríamos desamparados aqui (Mt.28.20, Jo.14.23) 

2. Deveriam continuar crendo porque esse “ausentar-se” era para beneficio dos discípulos 

“Vou preparar-vos lugar” (Jo.14.2) O texto não está dizendo, como alguns interpretam, que o lugar existe mas carece de preparação. Como destacou Carson, “o próprio ato de ir, via cruz e ressurreição, prepara o lugar para os discípulos”(p490). 
 Existem duas promessas ligadas e apontados no contexto que mostram os benefícios desse ausentar-se: 
O envio do Consolador – “Mas, agora, vou para junto daquele que me enviou, e nenhum de vós me pergunta: Para onde vais?Pelo contrário, porque vos tenho dito estas coisas, a tristeza encheu o vosso coração.Mas eu vos digo a verdade: convém-vos que eu vá, porque, se eu não for, o Consolador não virá para vós outros; se, porém, eu for, eu vo-lo enviarei. Jo.16.5-7
O retorno em glória – “Percebendo Jesus que desejavam interrogá-lo, perguntou-lhes: Indagais entre vós a respeito disto que vos disse: Um pouco, e não me vereis, e outra vez um pouco, e ver-me-eis? Em verdade, em verdade eu vos digo que chorareis e vos lamentareis, e o mundo se alegrará; vós ficareis tristes, mas a vossa tristeza se converterá em alegria. A mulher, quando está para dar à luz, tem tristeza, porque a sua hora é chegada; mas, depois de nascido o menino, já não se lembra da aflição, pelo prazer que tem de ter nascido ao mundo um homem. Assim também agora vós tendes tristeza; mas outra vez vos verei; o vosso coração se alegrará, e a vossa alegria ninguém poderá tirar. Jo.16.19-22
 3. Deveriam continuar crendo porque havia segurança de que eles conheciam o caminho 

“E vós sabeis o caminho para onde eu vou.” Jo.14.4 Os discípulos sabem que a morte de Cristo é o caminho necessário e já de antemão conhecido, e que portanto não significava o fim de toda esperança, embora isso ainda não tivesse inteiramente claro para eles e só o ficaria depois de tudo consumado (Jo.12.16; 14.26) 

“Disse-lhe Tomé: Senhor, não sabemos para onde vais; como saber o caminho?” Jo.14.5 A pergunta de Tomé nesse ponto aparentemente contradiz o que Jesus acabara de dizer, mas o que ele cogita é de detalhes do que o Mestre disse e que ele (e os demais discípulos) não sabiam. Mas o que eles sabiam até então era suficiente, como fica claro na resposta de Jesus. 

“Respondeu-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim.” Jo.14.6   Essa resposta de Jesus a indagação de Tomé mostra que eles poderiam ficar seguros de que o que eles sabiam era suficiente. Inicialmente Jesus fala do caminho da cruz (Jo.13.33-36), Tomé então questiona desse caminho para a cruz e Jesus replica que o caminho que eles precisam conhecer eles já o conhecem. Pois ele mesmo “é o caminho, e a verdade e a vida” 

Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize

Muitas são as aflições, angustias e incerteza que temos que enfrentar. Os tempos difíceis chegam. Nossa segurança está em permanecer na fé. Fé de que temos lugar permanente com Ele e a permanência dEle para sempre conosco (Mt.28.20; Jo.14.23). Fé de que Ele é Deus e controla todas as coisas. Fé de que suas promessas se cumprirão e suas palavras jamais passarão. Fé de que mesmo em nossas limitações conhecemos o Caminho que ele graciosamente nos revelou e de que por esse caminho temos livre acesso a Ele (Hb.10.19,20). Diante das aflições da vida somo encorajados a crer como os discípulos foram, e mesmo que vissem o Messias morrendo pendurado numa cruz, o veriam ressurreto e glorificado, receberiam poder para testemunhar (At.1.8) e ainda o veriam voltando para tomá-los para si e para viverem eternamente com ele (Jo.14.3) 

 "Esta é a vitória que vence o mundo: a nossa Fé" 1Jo.5.4

 ¹Carson, D.A.Carson, O comentário de João, Shedd Publicações, 2007
² Calvino, João, O evangelho segundo João, Fiel, 2005

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